Empresa pode demitir o empregado com doença grave sem justo motivo?
Dispensa de empregado com doença grave é discriminação ou ato diretivo do empregador na organização do seu negócio?
Conforme tratamos no artigo anterior, a legislação brasileira não exige que o empregador apresente justificativa para demitir um empregado, basta que o comunique e faça o pagamento das verbas rescisórias. Por outro lado, a Constituição federal protege as relações de trabalho contra a dispensa arbitrária com o princípio da proteção do emprego.
Diante essa contraposição, a dispensa de empregado com doença grave gera grandes debates no mundo jurídico trabalhista. Neste artigo traremos os conceitos de despedida discriminatória e os entendimentos recentes dos tribunais.
RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR ATO DISCRIMINATÓRIO
A Constituição Federal em seu artigo 7°, inciso I, protege as relações de trabalho contra dispensa arbitrária através do princípio de proteção do emprego contra a demissão arbitrária.
Para regulamentar tal princípio, em 1995 o legislativo editou a Lei n° 9.029, que trata da proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.
Porém, apesar da Lei n° 9.029/95 proibir a dispensa discriminatória, a vedação é genérica e não existem na legislação explicações do que é discriminatório e do que não é.
Nos casos de empregado com doença grave, o entendimento do judiciário tem sido que a demissão suscita preconceito e é considerada discriminação presumida.
O posicionamento foi pacificado quando o Tribunal Superior do Trabalho emitiu a Súmula 443:
Súmula nº 443 do TST
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Nas situações de dispensa que envolvem doenças graves os juízes buscam provas de que o empregador conhecia o estado de saúde do empregado quando efetuou a demissão, para que fique comprovada a dispensa discriminatória.
DISPENSA DISCRIMINATÓRIA GERA DIREITO À READMISSÃO OU INDENIZAÇÃO
A Lei 9.029/95, em seu artigo 4°, estabelece que caso haja rescisão do contrato de trabalho por ato discriminatório o empregado poderá requerer:
1.Readmissão
A readmissão é devida com o ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;
2. Indenização
Indenização com a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
DECISÃO DA 1ª TURMA DO TRT DE MG
Recentemente, em julho de 2019, em processo analisado pelo Tribunal Regional do Trabalho, o Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault discorreu em sua decisão, de forma bela, sensível e erudita, sobre as questões sociais e humanas que estão por trás da dispensa injusta de empregados portadores de doenças graves.
A decisão deve ser citada para que nos faça refletir sobre os falsos valores que adoecem a sociedade contemporânea.
Na situação examinada pela 1ª Turma do TRT-MG, o reclamante era um motorista-entregador foi diagnosticado com câncer no intestino em julho de 2014, passando a receber auxílio-doença previdenciário de agosto de 2014 até março de 2016.
No período em que permaneceu afastado, foi submetido a cirurgia, quimioterapia e radioterapia, o que, nas palavras do desembargador relator: “certamente lhe causaram debilitações decorrentes do tratamento, além daquelas típicas da própria doença”.
Porém, apesar de toda essa situação, a empresa o dispensou sem justa causa, no início de abril 2016, logo que teve alta previdenciária e retornou ao trabalho.
A sentença considerou discriminatória a demissão do colaborador e declarou sua nulidade determinando a reintegração do trabalhador ao emprego, e condenou a empresa a lhe pagar os salários do período em que permaneceu afastado.
Mas a empresa não se conformou. Recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho insistindo que a dispensa foi sem justa causa e nada teve de arbitrária ou discriminatória porque restrita aos limites do poder diretivo do empregador
O desembargador explicou com maestria que a doutrina e jurisprudência existentes sobre o assunto são no sentido de ser incabível a dispensa de empregado portador de enfermidades graves, como, por exemplo, vírus HIV e câncer, como no caso do motorista.
Na esfera trabalhista, explicou o desembargador, não existe norma jurídica que “de maneira expressa, letra por letra, palavra por palavra, garanta a estabilidade aos pacientes de câncer”.
Não consta expressamente na Lei n° 9.025/95 a estabilidade ao paciente de câncer, apesar das numerosas práticas discriminatórias que surgem em razão das deficiências decorrentes da doença. Entretanto, conforme bem explicou o Desembargador, a ausência de lei sobre a questão não impede que os juízes busquem uma solução justa.
Assim, com fundamentos bastante sólidos, a 1ª Turma do TRT mineiro julgou improcedente o recurso da empregadora, mantendo a sentença que reconheceu como discriminatória a dispensa do reclamante, declarando sua nulidade e determinando a reintegração do trabalhador no emprego, com base no artigo 4º, II, da Lei 9.029/95, combinado com o artigo 496, da CLT. O Tribunal manteve ainda a condenação em danos morais no valor de R$20.000,00.